Quem nasceu primeiro ? A poesia ou a música ?
Quem faz letra de música pode ser chamado de poeta ou é apenas letrista ? O Poeta é também um letrista se alguém coloca música em seus poemas ? E por aí vai a discussão. Quem entende bem do assunto afirma que poeta e letrista são duas funções completamente distintas, mas a verdade é que independente de toda essa discussão e definições, um poema musicado é algo que me agrada profundamente. Em especial se a música foi feita por Raimundo Fagner em cima de algum poema bem lírico e cheio de sentimento. Não é uma tarefa muito simples se perceber qual é a palavra chave de cada poema, qual a palavra que deve ser enfatizada em cada verso para que o poema seja apresentado em sua plenitude, mas isso Fagner faz com muita eficiência e qualidade. Desde o início de sua carreira que ele se preocupa em musicar poemas e trazer para o seu público a força de poetas que se não fosse por esse trabalho dele, jamais seriam conhecidos por uma parcela grande da população que não tem acesso à literatura. Isso lhe trouxe muitas alegrias, mas também alguns problemas ao longo de sua carreira. A primeira poeta que Fagner musicou foi Cecilia Meireles. Em seus primeiros shows, na década de 70, ele já mostrava essa característica marcante de sua carreira ,com interpretações viscerais de poemas musicados como Canção (Malogrado), Motivo e a famosíssima Canteiros. Mário de Andrade , com Semente, também está presente em um dos discos de Fagner, mas a maior divulgação de um poeta feita por ele foi, sem dúvida, com Florbela Espanca. Quem, antes de ouvir Fanatismo, tinha conhecimento da poeta portuguesa ? Mesmo entre os especialistas em literatura ela não era muito popular. Graças a Fausto Nilo, Fagner teve a sorte de tomar conhecimento da obra da atormentada poeta portuguesa e já no primeiro momento ele pode perceber a musicalidade que existia naqueles versos e de lá para cá, tem nos presenteado com um verdadeiro tesouro poético musicado como a já citada Fanatismo, Fumo, Tortura até a belíssima Chama Quente que ficou meio perdida no final do disco duplo ao vivo de 2000. No mesmo disco em que Fanatismo foi lançado (Traduzir-se) temos esse lindo poema de Ferreira Gular que já tinha sido convidado por Fagner para recitar um poema seu no disco coletivo Soro de 1979. Desde então Gular tem aparecido eventualmente como parceiro na obra de Fagner, enriquecendo-a sobremaneira. Belos exemplos são Contigo (1983), Me Leve (1984), Rainha da Vida (1987) e Menos a Mim (1991). Gullar também foi o responsável pela versão em Português de um dos maiores sucessos populares de Fagner, Borbulhas de Amor , originalmente Borbujas de amor de Juan Luiz Guerra. O maior poeta português, Fernando Pessoa, também é destaque na obra de Fagner e aparece em Qualquer música, do disco de 1982, musicado por Ferreirinha. Já o nosso Affonso Romanode Sant’anna virou parceiro em 1986 com a lindíssima Os Amantes. Mas nem só os poetas são homenageados por Fagner ao longo de sua obra. Os escritores também marcam presença como por exemplo uma das grandes damas de nossa literatura , Nélida Piñon, que com a parceria de Luiz Diniz, tem sua A Doce Canção de Caetana, registrada no disco O Quinze, de 1989, cujo próprio título, além de ser o 15o disco de carreira , é também uma referência ao romance da conterrânea famosa : Raquel de Queiroz. Os poetas populares também são destacados por Fagner e o belo trabalho que ele fez ao trazer Patativa do Assaré para declamar seus poemas no Rio e em São Paulo, nos mais inusitados lugares como na Praia de Guarujá para jovens de classe média em férias, que respeitosamente, mesmo em meio a uma guerra de areia, respeitaram Patativa e aplaudiram seus versos, é algo digno de nota e admiração. Seguindo essa mesma tendência e imprimindo sempre qualidade ao seu trabalho, Fagner nos apresenta agora um outro poeta, também conterrâneo: Francisco Carvalho. Reconhecido no Ceará porém totalmente anônimo no sudeste, em breve o recluso e tímido poeta de Russas vai ter que se acostumar a escutar seus versos serem cantados em todos os teatros do Brasil por onde Fagner se apresentar para divulgar seu novo disco, Donos do Brasil. É dessa forma que Fagner continua inovando, sempre atento à tudo que acontece à sua volta. Mesmo após 30 anos de carreira ele sempre ousa mais um pouco. Se renova e nunca perde o fio da meada. Mostrando o artista plural que é, Raimundo Fagner está sempre antenado com o novo, usando sua fama e sua já sólida carreira para divulgar para o Brasil o que existe de melhor em termos de poesia. Que continue assim. Obs: Faltou ainda fazer referência à música Aurora, já mostrada aqui na nossa página e que foi lançada no disco em homenagem à Garcia Lorca e o excelente trabalho de Fagner no disco em Homenagem à Picasso em que são declamados poemas do espanhol Rafael Alberti, com acompanhamento ao violão de Nonato Luiz. Fagner também interpreta duas canções nesse disco: Oyes, que música e Mujer llorando
Klaudia Alvarez
19/10/04