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ENTREVISTA COM ROSEMBERG CARIRI

A Página dos Amigos de Fagner tem o prazer de entrevistar ROSEMBERG CARIRI, um dos cineastas mais importantes do Ceará e nome importante da cultura cearense.

O filme “CINE TAPUIA,” do Cineasta Rosemberg Cariry, tendo nos papéis principais a cantora Myrlla Muniz e o ator Rodger de Rogério, acaba de ganhar o Prêmio “VER O PESO” de Melhor FILME LONGA-METRAGEM DE FICÇÃO no 4º. FESTIVAL DE CINEMA DE BELÉM DO CINEMA BRASILEIRO.

 1- Quando foi que você percebeu que o cinema era o seu caminho ?
Eu nasci em Farias Brito, mas passei toda a minha adolescência no Crato, na região do Cariri cearense. Na cidade do Crato, no início da década de 60, o cinema ainda era a maior, a mais popular diversão. A cidade tinha seis cinemas. Eu via muitos filmes norte-americanos de aventura, mas tive também a graça de ver filmes como “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos, “Os Fuzis”, de Rui Guerra,  “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber e, já no final da década, o filme “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, também de Glauber Rocha.  Acho que, neste momento, quando o cinema novo redescobria o Brasil profundo, eu também descobri em mim a possibilidade de ser cineasta. Sonhei em fazer filmes que representassem a história, as lutas e as esperanças do meu povo. Fiz o meu primeiro curta-metragem, chamado “A Profana Comédia”, em 1975, ainda no Crato.

2- Fale-nos um pouco sobre sua filmografia.
Afora os primeiros filmes curtas que rodei na década de 70, em super 8, e os outros curtas que rodei nas décadas de 80 e 90, já em bitolas profissionais de 16mm e 35mm, eu escrevi, produzi e dirigi sete filmes de longa-metragem:
O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto (1986), A Saga do Guerreiro Alumioso (1993), Corisco e Dadá (1996), Juazeiro – A Nova Jerusalém (2001), Lua Cambará – nas Escadarias do palácio (2002), Cine Tapuia (2006)  e Patativa do Assaré – Ave Poesia (2007). Todos estes filmes participaram de muitos festivais nacionais e internacionais e ganharam alguns prêmios.

3- O filme sobre Patativa do Assaré concorreu no 5º Cine-Ceará, realizado recentemente.  Como foi o desempenho do filme ?
Patativa do Assaré é um filme atípico, foi realizado ao longo de 28 anos. Rodei o filme em todas as bitolas (película) e suportes possíveis (vídeo) e nas mais diversas situações. Patativa é meu compadre e meu amigo e, nesta condição, documentei aspectos da sua vida, ao longo de todos estes anos. Rodei as primeiras imagens de Patativa, quando ele não era ainda tão famoso, morava na Serra de Santana (Assaré) e trabalhava ainda na roça. Depois fiz algumas imagens dele no Congresso da SBPC que o homenageou (Fortaleza-1979). No mesmo ano, ele participou dos shows Massafeira, Canto Cariri e Soro e deu-se o encontro dele com Raimundo Fagner, que pela primeira vez cantou com ele a música “Vaca Estrela e Boi Fubá”, que viria a ser um grande sucesso. Registrei este primeiro e emocionado encontro de um jovem cantor-compositor que inicia uma brilhante carreira na MPB e um mestre da cultura popular. Na década de 80, Patativa do Assaré teve o reconhecimento nacional e internacional e participou ativamente dos mais importantes movimentos que lutavam pelas liberdades democráticas no País. No filme, além de Patativa no seu cotidiano, no seu trabalho na roça, eu mostro também a dimensão social e política da sua poesia, o reconhecimento da universidade e a enorme importância que teve a sua obra e, sobretudo, a sua ação libertária, para toda uma geração. O Fagner e o Fausto Nilo compuseram a canção “Passarim do Assaré”, que uso na trilha do filme, interpretada por Fagner, com uma participação especial da voz de Amelinha e da sanfona do Ítalo. A exibição do filme, no Cine São Luiz, que contou com a presença de Fagner, foi o que o jornal Estado de São Paulo chamou de “comoção”.  As pessoas aplaudiam em cena aberta, as pessoas riam, as pessoas choravam, e, no final, o filme foi aplaudido de pé por mais de cinco minutos. Vivi, nesta noite, uma experiência única, emocionante. Acho que o mérito do filme é este: é deixar Patativa do Assaré (o homem e o poeta) se revelar, e as pessoas, na verdade, estavam prestando uma póstuma homenagem ao velho mestre.

4- Como você vê o panorama atual do cinema brasileiro, em especial a projeção dos cineastas nordestinos ?
O Cinema brasileiro vive um momento especial, e o cinema nordestino vive um momento especialíssimo. Hoje o Ceará, Pernambuco e a Bahia surgem como importantes núcleos de produção e realizam o cinema esteticamente ousado e de grande vigor narrativo que tem conquistado prêmios no Brasil e no exterior. Vivemos um momento bem interessante, em que acontece uma descentralização da produção e, em todo o País, começam a surgir novas produções de jovens diretores. Fala-se hoje em “cinema nordestino”, mas é preciso sempre levar-se em conta que  não existe um Nordeste real que esteja presente em cada filme. O que existe são representações dos  vários Nordestes, isto é, das várias visões e vivências do Nordeste. “Corisco e Dadá”, por exemplo, vê um Nordeste trágico, onde o homem peleja com Deus pela sua afirmação. “Baile Perfumado” (Paulo Caldas e Lírio Ferreira) mostra um sertão arcaico que se encontra com a modernidade tardia, “O céu de Suely” (Karin Ainouz) reelabora a parábola do filho  pródigo, “Cidade Baixa” (Sérgio Machado) mostra a violência urbana e o impasse, “Cinema, Aspirinas e Urubus” (Marcelo Gomes) equilibra sua dramaturgia no encontro de dois homens perdidos no sertão, "Capistrano no Quilo" elabora perguntas sobre a memória histórica e sobre a nossa identidade, isto para ficarmos apenas em alguns filmes, posto que muitos foram os filmes realizados e os que estão em produção. Vivemos um novo ciclo.
Temos assim um mosaico de estéticas, de visões, de possibilidades. Esta nova fase do cinema nordestino, pela diversidade e ousadia de abordagem dos diferentes temas, traz um olhar renovado sobre a região e sobre o homem, fugindo dos antigos clichês que, em um primeiro momento, costuraram um esboço de identidade. O NOVO Nordeste é arcaico, mas, ao mesmo tempo, é pós-moderno, é regional, mas, ao mesmo tempo, é universal. O novo Nordeste, mesmo quando trata de problemas muito locais, dialoga com o mundo. Tem surgido uma novíssima geração: o Eric Laurence, o Armando Vasconcelos, o Camilo Cavalcanti e o Petrus Cariry, entre outros... O Petrus, por exemplo, fez agora o seu primeiro filme de longa-metragem “O Grão”. É interessante perceber que, mesmo tratando-se de uma abordagem de um nordeste pobre e isolado, ele fez um filme que dialoga com a cultura oriental e com cineastas importantes como Sharuna, Pedro Costa  e Tarkovsky. É um filme extraordinário, neste sentido. Essa nova geração está muito antenada com o mundo, com o que acontece de novo no mundo, com as novas correntes estéticas e filosóficas.

5- Você filmou o show de Fagner no Dragão do Mar em 2.000.  Segundo declarações de Fagner em entrevistas, vai ser lançado um DVD desse show.  Como foi realizar esse projeto ?
Este foi um momento muito especial. O show aconteceu no ano 2000, no Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza, como comemoração aos 50 anos de Raimundo Fagner. Foi um dos mais belos e emocionantes shows a que já assisti, pelo vigor artístico das interpretações do Fagner para as suas canções já consagradas e também pela participação e pelo entusiasmo do público. É como se toda a cidade de Fortaleza resolvesse prestar uma homenagem ao seu cantor maior. Na época, a sede da minha produtora, a Cariri Filmes, ficava próxima do Centro Cultural Dragão do Mar, então juntei um pessoal que trabalha comigo e resolvi filmar o show. Anos depois, falei para o Fagner que tinha este material, e ele pediu para ver. Para ele, foi uma grande surpresa saber que eu tinha registrado este show. Agora a Sony vai lançar o registro deste show em DVD. Eu fico contente em ter feito esta pequena contribuição para a memória da música brasileira. Eu gosto muito do trabalho musical do Fagner. Penso, um dia, fazer um filme de longa-metragem sobre a carreira artística e sobre a vida deste cearense.

6- Além de cineasta, você também é compositor com várias músicas gravadas por artistas cearenses.  Fale-nos um pouco sobre suas canções.
Eu sou escritor e poeta. Tenho alguns livros publicados:
Despretencionismo – Poemas, em parceria com Geraldo Urano, em 1975; Semeadouro – Poemas, em 1981; Cultura Insubmissa – Estudos e Reportagens, em parceria com Oswald Barroso, em 1982; S de Seca – SS – poemas, em 1983; A Lenda das Estrelinhas Magras – Contos, em 1984 e Inãron ou na Ponta da Língua eu trago trezentos mil desaforos – poemas, em 1985. Também publiquei o jornal/Revista Nação Cariri que foi um movimento cultural e artístico importante no Ceará e no Nordeste, na década de 80. Nesta época, trabalhávamos com cinema, teatro, literatura, cultura popular e música. Era um processo natural este encontro entre os músicos/compositores e os poetas, o que sempre resultava em novas parcerias e canções.

7- E o selo “Nação Cariri Discos”?  Você teria um catálogo completo desses lançamentos ?  Esse selo ainda está ativo ?
Não, não está mais ativo. Agora é que estou cuidando de sistematizar, digitalizar e guardar no Museu da Imagem e do Som do Ceará este acervo, tanto do material lançado como do material ainda inédito (um acervo precioso). O selo Nação Cariri lançou muitos artistas cearenses da MPB e também artistas tradicionais, como Cego Oliveira e Patativa do Assaré. Fizemos uma coleção, em parceria com a Equatorial Discos (Calé Alencar), chamada “Memória Viva do Povo cearense”, onde estavam os maracatus, os penitentes, os Irmãos Anicetos, etc. Eu sempre trabalhei muito com a cultura popular e, quando fui secretário de cultura na cidade do Crato (1997), lancei o projeto “Mestres e Guardiões do Saber Popular”, que, depois, viria a se transformar em uma política cultural oficial do Estado do Ceará. Por ter participado amplamente da preservação do patrimônio cultural do povo brasileiro, recebi o Prêmio Rodrigo de Franco Melo Andrade/ IPHAN, outorgado pelo Ministério da Cultura do Brasil.

8- A música cearense hoje.  Qual a sua avaliação?
Temos bons compositores e cantores, mas vivemos um impasse. Com a desagregação das tradicionais companhias e selos de gravação de discos e de distribuição, houve uma quebra do modelo tradicional de produção e difusão. Hoje vive-se a busca de novos caminhos. A última grande geração de músicos e compositores cearenses, com visibilidade nacional, foi a geração 70, em que se destacaram nomes como Raimundo Fagner, Ednardo, Belchior, Petrúcio Maia, Manassés, Nonato Luiz, Rodger de Rogério, Ricardo Bezerra, Amelinha, Téti e Cirino, entre outros. Hoje temos a geração de 80 e 90, que produz uma música também de boa qualidade, faz shows, grava CDs, mas não consegue romper o círculo regional. Acho que a Internet e as novas formas de reprodução digital apontam novos caminhos. Cantoras como Myrlla Muniz, Aparecida Silvino e Kátia Freitas já conseguem circular nacionalmente com seus trabalhos independentes. O exemplo mais bem-sucedido, no entanto, é o de Liduíno Pitombeira, maestro e compositor erudito cearense, que, mesmo sendo gravado por orquestras sinfônicas, corais e músicos eruditos do mundo inteiro, continua morando em Fortaleza. O reconhecimento vem através das gravações das suas peças feitas nos Estados Unidos, na Alemanha, na Áustria, no Japão, na França etc. Agora que o mundo descobriu (ele já foi premiado em concursos internacionais importantes), só falta agora o Ceará descobrir o Liduíno
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9- Qual o seu próximo projeto ?
No momento, estou preparando o filme SIRI-ARÁ, um longa-metragem que vou rodar em setembro (2007), no sertão central do Ceará. A sinopse é a seguinte: Depois de 30 anos de exílio na França, Cioran abandona a mulher e os filhos e volta para o sertão do Ceará, em busca da sua identidade e da memória dos seus antepassados. Nas suas andanças pelo sertão, ele é guiado e tentado pela figura misteriosa e mefistofélica da velha índia Coracy. Ao mesmo tempo, um Reisado de Baile e uma Banda de Pífanos cruzam o sertão, em demanda da cidadela sagrada de Juazeiro do Norte, onde ocorrerá a procissão de N. S. das Candeias. Do encontro destas duas caravanas populares, surgem os conflitos e acontecimentos dramáticos que recontam (e remetem) à trágica história da colonização do Ceará, tendo como contraponto os paradoxos e as reflexões filosóficas de Cioran.

O filme Siri-Ará aborda uma nação submersa, revolvida pelo vendaval da história, proscrita de dúvidas e ferida de morte pelos desmontes dos seus acervos memoriais. O sertão profundo, já marcado pela presença agressiva do progresso e da globalização, é o grande cenário onde se desenrola a narrativa épica do filme que se equilibra entre a ficção e o documental, marcado pela necessidade alegórica de desvendar os significados dramáticos da construção da nação através das artes populares e dos arquétipos. A proposta é revolver a cultura viva do povo, como quem escava as camadas sedimentares de nossos “sambaquis imaginários”, garimpar esfinges no pântano da nossa origem, para desvendar mistérios, utopias e enganos; buscando uma visão anti-folclórica e subvertendo as antigas interpretações sociológicas do Brasil. Antes da cura, precisamos reconhecer que nós também somos as feridas. Só depois desse corajoso mergulho na escuridão do tempo, através da arte, é que podemos esculpir com luz o rosto brasileiro; o rosto de quem é mil, é mil e um; o rosto do filho bastardo (o pai branco e a índia / negra violentada) que vive o seu exílio na própria nação, real e imaginada.