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ENTREVISTA: PAULINHO TAPAJÓS

Paulinho  Tapajós, é sem dúvida,  um dos compositores mais sensíveis da música brasileira.  É o autor de composições  que marcaram a história de nossa música como “Andança”, que projetou Beth Carvalho no cenário nacional e “Sapato Velho” , grande sucesso do grupo Roupa Nova.   Paulinho teve várias de suas composições  vencedoras dos festivais de música, tanto no Brasil quanto no exterior e também atuou como produtor musical em gravadoras e na TV.

É parceiro de Fagner em “As portas do Meu Sorriso”,“Galinho de Briga”, da trilha sonora do filme “Uma aventura de Zico”  e de “Donos do Brasil”( Fagner/Paulinho Tapajós e Nonato Luiz), canção-título do novo disco de Fagner que acaba de chegar às lojas.  Fagner também  participou  dos seguintes discos de Paulinho Tapajós:  “Amigos e Parceiros”” de 1981, “Coração Poeta”, de 1996 e “Reencontro”, de 1998. Atuou também como compositor de músicas para teatro e continuou sua carreira de compositor.  Atualmente está em processo final de lançamento de um novo CD. 

A página dos Amigos de Fagner tem o grande prazer de conversar com Paulinho Tapajós que vai nos falar não só sobre sua parceria com Fagner, mas também sobre sua carreira de tanto sucesso e importância na MPB.

1)  Paulinho, em primeiro lugar agradecemos sua gentileza em conversar conosco e queríamos começar falando sobre seu trabalho como produtor musical na  Phillips, na década de 70, onde Fagner gravou seu primeiro LP, Manera Fru Fru Manera.  Fale-nos um pouco sobre esse período.  Foi lá que você  conheceu Fagner ?
Foi nessa época, no início dos anos 70. Eu dirigia e produzia para o selo Forma da gravadora Phillips , depois chamada Polygram e hoje Universal. Este era um selo por onde eu lançava artistas que vinham dos festivais universitários como eu, além de lançar outros artistas em início de carreira. Por lá  foram lançados Ivan Lins, Lucinha Lins, Gonzaguinha, O Terço, Trio Mocotó e muitos outros. Depois fui para o selo Phillips, juntamente com os meus artistas e além de continuar a trabalhar com eles, passei  também a produzir uma boa parte daquele maravilhoso cast onde tive oportunidade de fazer os discos de amigos queridos como Jorge Benjor, Vinicius de Moraes e Toquinho, Nara Leão, Gilberto Gil,  Carlinhos Lira, MPB4, Quarteto em Cy, Quinteto Violado, Altamiro Carrilho etc, além dos discos coletivos em que participavam Elis Regina, Caetano, Gal,Chico Buarque e tantos outros. O Fagner, se não me falha a memória, me foi apresentado pela Nara e Menescal.  E esse Lp, Manera Fru Fru Manera é, com certeza, um dos discos que me trazem a maior satisfação, não só pelo seu resultado artístico e reconhecimento da crítica e do público, mas por ter sido feito num clima de imenso prazer e carinho que nos aproximou numa terna, fraterna e eterna amizade.

2) “As Portas do Meu Sorriso”  é uma das músicas mais lindas da MPB .  Você poderia nos falar como nasceu essa parceria com Fagner ?
Ela é da mesma época, do início dos anos 70, quando nós estávamos sempre muito próximos.  Ele me pediu uma letra para musicar. Esta foi minha primeira letra feita com parceiro antes de ser feita a melodia. Assim que escrevi ele pegou os versos na minha casa e logo depois me trouxe a música pronta. Ela deve ter sido feita em 1971 pois tentamos gravar no meu primeiro LP gravado naquele ano, mas o disco já estava sendo finalizado e a gravação ficou incompleta, depois ela veio a ser gravada no Amigos e Parceiros.

3) “No Tempo dos Quintais” , uma parceria sua com Sivuca, teve participação de Fagner.  A idéia de convidá-lo para dividir os vocais com Sivuca  foi sua  ?
Não tenho certeza de quem teve a feliz idéia, mas estou certo de que foi do agrado geral.

4) “Donos do Brasil” é outra parceria sua com Fagner e também Nonato Luiz.  Como nasceu a música ?
Foi o Nonato Luis que me trouxe essa música para colocar letra, juntamente com outras duas que eram de autoria dele, Nonato. Essa música quando veio a mim,  já tinha a parceria melódica com o Fagner. Isso foi por volta de 1995 e eu gravei em seguida, no disco Reencontro, quando chamei o Fagner para cantar comigo.

5) Como está a gravação de seu novo CD ? Vc pode nos falar um pouco sobre esse trabalho ?
O disco está quase pronto para sair, o que deve acontecer em novembro.
O título é Viola Violão. Nele vão se alternando faixas com características rurais e urbanas. Nas faixas com características rurais, destacam-se  no instrumental as violas e nas urbanas os violões. Apenas a última faixa foge a regra com a presença apenas do piano e da voz da Lucinha Lins. Essa faixa se chama Rádio Nacional e já está sendo executada na própria Rádio Nacional. É bem brasileiro. São dez músicas inéditas, sendo oito em parceria com o Marcello Lessa, com quem divido artisticamente o disco,  e duas com o Cláudio Nucci, parceiro na faixa título Viola Violão. Ele também participa cantando comigo no  disco, além da Simone Guimarães.  As quatro regravações são: Andança, Cabelo de milho, Menininha do portão e Aguapé.

6) Alguma futura parceria com Fagner à vista ?
Sim.
Temos apenas três parcerias , mas vamos aumentar isso agora. Estivemos juntos no último sábado no campo do Chico na nossa pelada, quando escutei o disco Donos do Brasil em primeira mão. Gostei muito do que ouvi e adorei o  clima de samba enredo criado pelo Rildo Hora para a nossa música.  Lá nos prometemos uma nova parceria.  Fiquei de enviar uma nova letra para ele musicar, o que deverá acontecer em breve.

7) Quem é melhor jogador, Fagner ou Chico Buarque? 
Você quer que eu perca um amigo? Mas agora falando sério: não há como comparar porque eles jogam em posições diferentes, tem estilos diferentes e cumprem funções diferentes também. O Chico joga na armação das jogadas e o Fagner na conclusão.

8) A letra de No Tempo dos Quintais nos remete a um tempo que já não existemais, de cadeiras nas calçadas nas noites, de casas com quintais, de boemia...Você acredita que tais delicadezas são ainda possíveis no Brasil atual, ou se trata apenas de sonho de poeta?
Acho que ainda é possível existir em parte, em algumas pequenas cidades do interior.  Mas a lembrança que eu tenho, do Tempo dos Quintais, é da minha infância em Botafogo e da minha cidade grande ainda não agredida. Hoje as cidades grandes não têm mais como voltar no tempo, por culpa da ganância que se instalou em nome de um progresso que poderia ser melhor planejado e executado sem destruir os valores naturais e humanos.  Pode ser sonho de poeta, mas não é nada impossível. Ainda vale a pena acreditar em um ser humano melhor.

9) Você também se destaca na música brasileira como produtor. Um dos seus trabalhados mais marcantes foi o acústico de Jorge Ben Jor, cd duplo e dvd de altíssima qualidade.  Passados já três anos de tal projeto, qual a importância dele para a sua carreira e para a música brasileira? Quais as curiosidades que você poderia falar sobre tal projeto?
É sempre divertido, carinhoso e imprevisível trabalhar com o Jorge. As curiosidades são tantas que não caberiam aqui.
Esses CDs e DVD do Acústico eu considero como a continuidade de um trabalho que fizemos, desde o início da carreira do Jorge, e que resultaram em discos que se tornaram históricos, como "Tábua de Esmeraldas", "Ben", "A Banda do Zé Pretinho", "Solta o Pavão", "Dez anos depois", "Gil e Jorge". Eles continuam sendo lançados em CD e considerados ainda à frente do tempo.  Foi com esses discos que me diverti muito e muito me encantei aprendendo a lapidar um belo diamante. Vários daqueles músicos que nos ajudaram a construir os grandes sucessos estão presentes nesse "Acústico". Alguns, nós não víamos há mais de vinte anos.  Hoje, com o progresso da tecnologia de gravação, os recursos nos permitem uma qualidade sonora cada vez melhor. Assim como os arranjos e levadas podem ser mais atualizados ainda, porém a essência do que é o Jorge em sua pulsação, em sua rítmica fantástica, em seu canto chorado e em sua incrível inovação e criatividade foi o que mais uma vez procurei valorizar. O repertório já era campeão. E assim é que os arranjos foram feitos, sempre com essa intenção, ou seja, somando o seu tempo forte de pulsação com o surdo, o bumbo da bateria e o baixo (nos seus LPs, usava às vezes dois baixos e eu ainda captava o pé do Jorge que batia com um tamanco de salto num estrado que ficava forrado com um microfone sob ele, mas isso não foi possível fazer ao vivo devido ao vazamento). E aquela incrível mão direita, conduzindo o seu violão, teve outra vez tratamento de principal artista coadjuvante, sendo captado em linha e por microfones também. As cordas e metais foram sempre usadas para valorizar sem interferir jamais, ou fazendo cama ou respondendo em frases swingadas em regiões mais graves ou mais agudas, vestindo a roupa do rei para que ele pudesse reinar  belo, puro e absoluto no centro de tudo. A importância do Jorge para a música brasileira todos já estão cansados de saber e esse reconhecimento tem sido cada vez maior com muita justiça. Para o meu trabalho como produtor ele foi fundamental. Esse "Acústico" foi um reencontro super feliz e a continuação de um eterno aprendizado com genial amigo super querido.

10) Você faz parte de uma família musical. Além de você, quem são seus familiares envolvidos com a música e quais as principais músicas compostas por eles?Meus familiares são quase todos envolvidos com a música, mas nem sempre apenas ou especificamente como compositores. O melhor, para quem deseja informações mais completas, é consultar o Dicionário Cravo Albin. Mas para não fugir da pergunta vou tentar resumir (pois sim).
Tudo começou com meu avô, Manuel Tapajós, que era compositor de óperas, poeta, jornalista, escritor e crítico de artes. Dele vieram então meus tios Haroldo e Oswaldo, além do meu pai, Paulo. Eles ainda meninos formaram o trio Irmãos Tapajós que se apresentava no rádio.
Logo após tornaram-se dupla, com a saída do tio Oswaldo, e fizeram grande sucesso gravando músicas em parceria com um jovem poeta iniciante chamado Vinicius de Moraes. O primeiro sucesso foi "Loura ou Morena" um fox-trot dos anos 30. Papai seguiu carreira solo como cantor, tendo participado das gravações das trilhas dos filmes e discos de Walt Disney dublados em português, fazendo, por exemplo, a voz cantante do grilo falante no "Pinócchio" ou o Príncipe da "Branca de Neve", entre outros. Nessa área infantil, participou também como produtor e criador de histórias e canções, além de cantor e arranjador, naqueles discos das coleções Carrossel e Mirim (aqueles coloridos de plástico, lembra?). Na sua carreira solo gravou vários LPs de dez e doze polegadas e discos em 78 rotações em que cantava na maioria das vezes um repertório de modinhas. Participou também por alguns anos do trio Melodia com quem gravou uma grande quantidade de discos em 78 rotações, sendo que ainda se escuta até hoje as gravações originais dos hinos dos clubes de futebol. Além disso,  foi diretor artístico por mais de duas décadas durante a fase áurea da Rádio Nacional do Rio de Janeiro e redator e apresentador de programas de radio, principalmente, os da série do Projeto Minerva. Muito mais sobre o papai você encontrará no Dicionário.  Depois vieram meus irmãos, Maurício e Dorinha, e eu. Maurício é autor de músicas que fizeram sucesso e algumas ainda estão presentes, como "Tô voltando", "Mudando de conversa", "Querelas do Brasil", "Pesadelo", "Carro de Boi" e mais de uma centena de músicas que foram gravadas por intérpretes como Elis Regina, Milton Nascimento, Clara Nunes, Beth Carvalho, MPB-4 e por aí vai.  Lançou também dois LPs e dois compactos como intérprete de suas canções, que em grande parte foram feitas em parceria com Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Cacaso e Hermínio Belo de Carvalho.  Em quatro delas, é claro, eu sou seu parceiro também. Dorinha fez carreira como cantora inicialmente no grupo A Turma da Pilantragem, com o qual gravou dois LPs e alguns compactos, depois com o trio Umas e Outras, com o qual gravou vários temas de novelas e algumas aberturas, como o "Pigmaleão" 70. Depois fez parte do Quarteto em Cy, ainda nos anos 70, com vários LPs e compactos gravados. Paralelamente fez carreira solo, participando de Festivais e gravações, como um compacto simples solo e um duplo junto comigo. Se quiser mais família, tem  ainda o meu cunhado Mu Carvalho tecladista e compositor, que foi integrante do grupo A Cor do Som, meu parceiro em "Sapato Velho", "Coisas do Coração" e mais de vinte outras canções, além de ser autor  também de temas de novelas, como "Chocolate com Pimenta", em parceria com o Aldir Blanc e muito mais. Tem também outro cunhado que é o Dadi, baixista e também compositor, que trabalhou como integrante dos grupos Os Novos Baianos e A Cor do Som, e como músico de Rita Lee, Jorge Benjor, Caetano, Marisa Monte, Tribalistas.  Ele está lançando disco como "cantautor", com participações dessa galera que citei e mais surpresas.  E se eu for seguir,  ainda tem o outro cunhado Sérgio de Carvalho, que é produtor musical, e o "primo" Sebastião Tapajós. E não vou acabar tão cedo…

11) A música "Menininha no Portão" fez parte do consagrado disco de estréia da cantora Maria Rita. É uma parceria sua com Nonato Buzar, que remete um pouco ao passado, da menina que espera por alguém junto ao portão. A nostalgia,presente nesta canção e em "No tempo dos quintais", é recorrente em sua vida?
Eu creio que sim. Ela existe como na vida de qualquer pessoa.

12) A música é uma das marcantes do disco de Maria Rita. Falando nela, como você a qualifica? É ruim fazer paralelos entre ela e a mãe famosa?
Não há duvida que ter um pai ou mãe tão competente na mesma atividade profissional é muito pesado. Abre portas sim, mas obriga a quem quer que seja que tenha uma competência igual ou maior. Ela, assim como os irmãos dela, tem pais e mãe competentíssimos. Que barra! A mãe dela foi considerada o que tínhamos de melhor como cantora. Só mesmo com todo aquele talento que a Maria Rita tem, ela poderá, como acredito que já conseguiu, superar as cobranças e comparações inevitáveis. Viva Maria Rita, fantástica, maravilhosa.

13) Como é o seu processo de composição, em especial quando se trata de parcerias?
Tem de tudo, mas me cabe muito mais o papel de letrista nas parcerias. Tenho participações em muitas melodias também.  Principalmente quando fazemos juntos e ao vivo.Trabalho muito pouco com parceiros letristas e quando isso acontece também acabo dividindo a letra. Só tenho uma música gravada com letra integral de outro parceiro.O que acontece é que na maioria das vezes eu recebo melodias prontas para que eu coloque a letra posteriormente. Em alguns casos também recebo temas incompletos para desenvolver.  Também acontece, porém em menor quantidade, a parceria onde eu dou letras prontas para o parceiro musicar, e acontece menos ainda de eu musicar letras integralmente prontas de outras pessoas. Quando sou meu parceiro ocorre de todas as maneiras, mas eu faço tudo junto na maioria das vezes.

14) "Andança" talvez seja a sua música mais famosa e regravada. Como foi o processo de composição? Como você a vê, depois de tantos anos de sucesso?
A melodia foi feita pelo Edmundo Souto e o Danilo Caymmi na casa da Beth Carvalho, quando ela morava na Bartolomeu Mitre, no mesmo prédio onde hoje está morando a Simone Guimarães. Eles me entregaram, numa fita de rolo,  a gravação de um tema melódico cantado com acompanhamento de violão, numa região mais para o grave e vários contra-cantos feitos na flauta , numa região aguda. Aquilo soava para mim como um diálogo masculino e feminino e foi só separar um daqueles contra-cantos para incluir como melodia principal, fazendo parte do texto da letra feminina e usar o tema principal básico como texto da letra masculina. A letra foi feita por influência da temática da nossa juventude, daquela época de buscas de novos caminhos. Hoje eu vejo com imensa alegria ela continuar viva e cheia de saúde se renovando e atravessando décadas,  já passados mais de trinta e seis anos. E a cada dia me preparando belas e emocionantes surpresas, como no Maracanã, quando ela veio cantada pela torcida do meu tricolor pela primeira vez.
É bom demais