ENTREVISTA COM FELIPE CORDEIROA Página dos Amigos de Fagner tem a honra e o prazer de receber mais um cearense talentoso para conversar conosco.
Felipe Cordeiro fez parte do fértil momento da música cearense nos anos 80 onde a convivência intensa entre músicos, compositores, intérpretes e artistas em geral, em torno de históricos bares, gerou diversos movimentos artísticos e musicais. “MassaFeira” e “Projeto Cultural do BNB Clube” são alguns deles.
Ativo integrante desse movimento lítero-musical, Felipe Cordeiro, escreveu inúmeras letras e compôs diversas músicas, em parceria com expoentes da música cearense e nordestina. Inclui-se, entre esses nomes, compositores conhecidos do público como: Torquato Neto, David Duarte, Érico Baymma, Jorge Helder, Francis Vale, Stélio Vale, Gilberto “Jabuti” Fonteles, Dílson Pinheiro, Zezé Fonteles, Alano Freitas, dentre outros. Músicas de sua autoria foram gravadas nos discos: Geléia Geral em 1985; Cria do Mundo, de Jabuti Fonteles, em 1989; e Parto, de Paulo Façanha, em 1996 e O Próximo de Kátia Freitas em 2001.
Em 1999, Felipe Cordeiro gravou seu disco solo Outra Esquina, uma celebração ao movimento musical mineiro Clube da Esquina, interpretado pela nova geração de cantores cearenses como: Kátia Freitas, Karine Alexandrino, David Duarte, Edmar Gonçalves, ao lado de nomes consagrados da MPB como: Beto Guedes, Boca Livre, Joyce, Lô Borges, Nonato Luiz, Zé Renato, Jorge Vercilo e Toninho Horta.
Na apresentação do CD Outra Esquina, Milton Nascimento escreveu o seguinte texto: “... É assim que se faz história. Para isso serve a arte verdadeira, sem preconceito, com a meta de se espalhar pelo mundo aquela que é a linguagem universal, a música”.
1. Fale-nos um pouco de suas origens e de como a música entrou em sua vida.
Eu nasci no interior do Ceará, na cidade de Brejo Santo. Meu pai trabalhava nos Correios, de modo que nós nos mudamos pra Iguatu quando eu tinha dois anos. Vivi desde os dois até os dezesseis anos, em Iguatu, onde eu cresci, ouvindo os violeiros, cantadores ao vivo. Eles se reuniam à noite, perto de minha casa, e eu ia ouvi-los. Por simples curiosidade. Eu não gostava propriamente de sua música. Havia também a Rádio Educadora de Iguatu, que era repleta de programas de músicas que por um lado enfatizavam a viola, a sanfona, o pandeiro, o zabumba e o triângulo. Por outro, tinha a música da jovem guarda que me atraía mais. Eu gostava de Márcio Greyck, Jerry Adriani, Fevers, Wanderley Cardoso, no entanto, predominava meu gosto pelos Beatles. Eles foram definitivos na minha influência musical. Só muito depois foi que eu vi que aquele som nordestino das sanfonas e violas ficou marcado a ferro e fogo em minha mente e meu coração. E hoje, eu me pego compondo xote, xaxado, baião e outros gêneros nordestinos.
2. O movimento “Massafeira Livre” foi um dos mais importantes acontecimentos culturais do Ceará nos anos 80. Eu acho que até hoje não se deu a esse projeto a importância que ele teve em termos de projetar para o país o que se estava produzindo por lá. O que você pensa sobre isso?
Acho que, realmente, o Massafeira foi um movimento importante para a música cearense. Foi um momento em que músicos, intérpretes, produtores, arranjadores trabalharam juntos, dias a fio, cantando, tocando e compondo, numa experiência jamais vista. Porque o Massafeira não foi só o show aqui em Fortaleza. Existiu a viagem ao Rio e a gravação do disco, um álbum duplo. Acho que o movimento retratou a música cearense do fim da década de setenta. Eu não participei dos primeiros shows do Massafeira, nem do disco, mas toquei e cantei no Teatro José de Alencar, no show de lançamento do disco. Tremia muito, mas estava lá.
3. No LP Geléia Gerou – Projeto Torquato Neto - 1o. Encontro de compositores e Intérpretes do Piauí que selecionou 12 músicas de 620 inscritas, temos a canção “Pedra do Sal”, música sua e letra de Zezé Fonteles, interpretada pela cantora Ana Fonteles, infelizmente recém falecida. Fale-nos sobre esse projeto.
Foi um projeto instigante, no início dos anos oitenta. Pra mim, foi importante ter tido minha música incluída entre as ganhadoras do festival, porque isso me consolidou como compositor junto à comunidade artística do Ceará e do Piauí. Eu convivia muito com os Fonteles, músicos e intérpretes talentosos, e a minha união musical com a família foi muito forte. Falo da união musical porque, de fato, houve mais uniões já que fui casado com a Ana. Senti muito a morte dela, embora nos falássemos pouco, nos últimos anos. O “Outra Esquina” foi co-produzido pelo Tim Fonteles e é cheio de canções feitas em parceria com os Fonteles. Ainda hoje, tenho ligação com eles. “Pedra do Sal” foi uma dessas tantas músicas feitas com os Fonteles.
4. O cantor cearense que tem mais músicas suas gravadas é Paulo Façanha. Tanto no CD “Parto” quanto no “Paulo Façanha”. Em sua opinião, o que falta para artistas de talento como ele ficarem conhecidos em todo o país?
Por coincidência, duas músicas minhas em parceria com o Tim Fonteles. Paulo Façanha é um músico talentoso. Há outra música, também minha e do Tim, chamada “Amor Guarani” que o Paulo disse que gravará em seu próximo disco. Acho que um artista ter talento e um artista acontecer são coisas que passam por caminhos bem diferentes. O talento, creio, já nasce com quem tem, embora possa ser aprimorado. O sucesso, ou é buscado com estratégias de marketing, ou com muita luta, dia após dia, ou ainda vem num raro momento ideal que acontece uma vez a cada 100 anos. Tipo o artista estar num festival certo, na hora certa... Por mérito e por talento, muitos artistas cearenses já deviam estar fazendo muito sucesso em todo o país.
5. “Outra Esquina” é o nome de seu primeiro Cd solo que reúne um “timaço” da nossa música. Como foi a realização desse grande projeto que conta com a participação de alguns dos melhores músicos brasileiros?
O que mais impressionou as pessoas no Outra Esquina, pelo que me disseram, foi a quantidade de gente que participou dele. Bem, a idéia do Outra Esquina surgiu por volta de 1996. Pensei no tanto de músicas que eu tinha, e imaginei que elas nunca iriam ser conhecidas pelas pessoas. Porque essa coisa de ser compositor nos deixa sempre na dependência de vir um intérprete ouvir, escolher, gostar e querer gravar. Isso é uma canseira que requer trabalho, certa estratégia até. Pensei então em eu mesmo gravar um disco. Daí em diante, fui conversando com as pessoas, escolhendo o repertório e fazendo o disco, que só saiu mesmo em Julho de 2000. Um longo processo. Sabe que chegamos a gravar 31 músicas em estúdio, embora tenhamos finalizado só 18? O material remanescente eu guardo comigo. Qualquer hora faço algum uso dele. Durante as gravações, o processo muitas vezes tomou seu próprio caminho. Eu disse algumas vezes que o disco, em certos momentos, andou sozinho, não me obedecia mais. Era como se eu não tivesse mais controle sobre ele. As musicas iam se definindo e entrando no disco sem que eu pudesse dizer sim ou não. Quanto às participações, cada pessoa que participou do disco foi resultado de um contato pessoal meu. Do pessoal do Clube da Esquina, inicialmente chamei o Lô Borges (que muito gentilmente se dispôs a gravar), depois Toninho Horta (Hoje, grande amigo e parceiro), depois o Flávio Venturini (que passou generosamente um feriado em Fortaleza gravando sua participação) e por fim o Beto Guedes. Vieram também os músicos mineiros Robertinho Silva (que é um carioca mineiro), Nivaldo Ornelas, Beto Lopes, Paulinho Carvalho, Telo Borges, Neném, Julinho Barbosa, Beto Lopes, Lena Horta, e outros. O disco tem uma cara mineira. Assumi isso com muita tranqüilidade, embora tivesse tido um pouco de medo de ser deportado do Ceará (risos). Se bem que o disco conta com a participação de muitos músicos e intérpretes cearenses. Eu tinha um projeto na cabeça: ver meus ídolos cantando minhas músicas. Assim, vieram também o Boca Livre, Jorge Vercilo, Joyce, e outros. Quando pedi ao mestre Milton Nascimento pra escrever o texto de apresentação, o disco já estava praticamente pronto. Foi uma felicidade e uma emoção ter sido apresentado pelo Milton Nascimento. Eu quase nem acreditei. Quando o encontrei pessoalmente, fiquei muito emocionado. Milton é pra mim um dos mais completos artistas de nosso tempo.
6. Com Outra Esquina, você provou que não é necessário ter nascido em Minas para fazer “música mineira”. Fale-nos um pouco sobre esse seu lado mineiro.
A influência da música mineira vem da época, quando eu orbitava (acho que habitava mesmo) o apartamento dos Fonteles, na Rua Assunção. Passávamos dias e dias ouvindo o Clube da Esquina N. 1. Ouvíamos também o Via Láctea do Lô Borges. Aquela sonoridade ficou em mim e no grupo. O Jabuti foi muito influenciado pelo Lô Borges. Foi nessa época que eu fiz quase todas as minhas parcerias com os Fonteles.
7. No CD mais recente de Kátia Freitas, “Próximo”, temos uma canção de George Harrison, “What’s life” com uma versão sua. Isso quer dizer que ao dobrar a “Outra Esquina” a gente chega a Liverpool ?
Essa versão tem uma história interessante porque foi o próprio Harrison quem ouviu e aprovou a letra. Ele demorou porque já estava muito doente. Recebi um tratamento super carinhoso do pessoal da Harrisongs, de Londres. Tinha um sonho de um dia encontrar o Harrison. De todo modo, fiquei muito honrado com a aprovação da versão. Os Beatles influenciaram tanto a mim como aos mineiros, como eles mesmos assumem.
8. Seus parceiros mais constantes são Zezé e Tim Fonteles. Normalmente, como é o seu processo de composição?
Faz tempo que não componho com os Fonteles. Acho-os ainda geniais, mas não nos encontramos mais com a mesma freqüência. Hoje eu gosto mais de escrever, mas faço música quando quero muito fazer uma parceria e o parceiro só escreve. Aí eu tenho que fazer a música (risos). Sofro muito pra compor, porque nunca acho que a música está pronta, nunca está boa o suficiente. Fico mudando tudo o tempo todo. Componho as músicas no violão. Quanto às letras, eu gosto de fazer andando a pé ou de carro. Acho que as paisagens mudando diante de meus olhos me inspiram a dizer coisa diferentes. Escrevo também no meu note book.
9. Fale-nos sobre outras músicas suas que foram gravadas por outros intérpretes
A primeira música minha gravada foi “Pedra do Sal”. A segunda foi “Flor de Maio”, minha e do Jabuti, que a gravou em seu disco “Cria do Mundo”, no ano de 1989. Depois o Paulinho Façanha gravou “Felt”, no seu CD “Parto”, em 1996. Em 2000, lancei o “Outra Esquina”. Em 2001, Geraldo Brito gravou a canção “Meio Certo”, minha e dele, em seu CD “Maracatou”, que foi gravada com a voz do Lô Borges. Ainda em 2002, a canção “Flor de Maio” que fora gravada anteriormente no CD “Outra Esquina”, foi cedida para inclusão na coletânea “Toques & Temas Vol. II – Grandes Nomes da Música Cearense”. Neste ano de 2004, a canção “Elemental”, que fora gravada anteriormente no CD Outra Esquina, foi cedida para inclusão no CD “Litisconsortes – Coletânea de Advogados Cearenses”.
10.Atualmente você acabou de gravar mais um CD.
Você pode nos falar um pouco sobre esse trabalho novo ?Esse novo trabalho foi feito em parceria com o Toninho Horta. Chama-se “Com o pé no forró”. É um trabalho só com ritmos nordestinos. É uma mistura do triângulo, zabumba e sanfona com a mineiríssima guitarra de Toninho Horta. É um CD que conta com a participação de Elba Ramalho, Dominguinhos e Fagner, Chico Pessoa, mas também lança muitos nomes desconhecidos da música nordestina, tais como Liv de Moraes, Miguel Cordeiro, Paulo Viana e Thaís Nara. Eu mesmo acabei cantando um trecho da música “Uma canção na estrada”.
11) No CD “Com o pé no forró”, Fagner divide os vocais com Toninho Horta, na música “Castanhão”, que é uma parceria sua com ele (Fagner) e Toninho Horta. A canção foi inspirada na história da construção do Açude Castanhão que inundou a cidade de Jaguaribara, no Ceará, no ano passado. Fale-nos um pouco mais sobre essa canção.
Eu sou engenheiro civil e trabalhei praticamente em toda a construção da Barragem Castanhão. Eu via a coisa dos dois lados: o engenheiro sabia que a obra era importante para o desenvolvimento do estado do Ceará, mas o ser humano não podia evitar de sentir o desolamento daquela gente, cujo passado ficaria debaixo das águas da represa. A música foi iniciada por mim e pelo Toninho. Quando nós mostramos ao Fagner, ele gostou de cara, e propôs algumas mudanças na letra, o que resultou numa parceria a três: Toninho, eu e o Fagner. Afinal, a letra enfoca o sentimento das pessoas que tiveram sua cidade natal demolida e que hoje moram em uma nova cidade, construída pra eles. E essa história se passou muito perto do Fagner, que é nascido em Orós, cidade que fica nas margens do mesmo Rio Jaguaribe. Acompanho a carreira do Fagner desde os primeiros tempos em Orós (eu morava em Iguatu e passava minhas férias em Orós), acho que ele é um dos mais importantes artistas do Ceará, e foi uma honra muito grande ter a participação dele nesse CD.
12.Como podemos adquirir CDs de Felipe Cordeiro?
Quem mora em Fortaleza, pode adquirir na Arte e Ciência, da Avenida 13 de maio (em frente à Reitoria); na Oboé do Center Um; na Desafinado da Dom Luiz; ou na Disco Mania da Galeria Pedro Borges, no Centro. Podem também adquirir pelo meu e-mail felipe.cordeiro@uol.com.br, ou acessando meu site www.felipecordeiro.com.br, que embora esteja sempre mudando (risos), sempre está em atividade.