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NO TEMPO DOS PARDAIS
Geraldo Medeiros Júnior

Com CD novo na praça, após três anos, o cantor Raimundo Fagner regrava a belíssima música de Sivuca e Paulinho Tapajós, intitulada de No Tempo dos Quintais, já gravada pelo próprio no disco de Sivuca, Cabelo de Milho. Canção nostálgica que evoca um tempo em que era possível andar nas ruas sem o perigo de assaltos e da violência no trânsito.

A música tem uma importância grande para mim, que vivi ainda numa Campina Grande em que se podia andar à noite, sem ser importunado pelos ladrões. Era possível, até os anos oitenta, cruzar a cidade a pé nas madrugadas, marcar encontros nas praças, ir às festas com discos embaixo do braço e, depois, namorar sob a inspiração da lua e de quase mais ninguém.

Não só da violência Sivuca e Paulinho Tapajós se queixam. Mas também do urbanismo mal planejado, da violência tão presente no trânsito. Problemas presentes hoje nas grandes cidades do país e, como não podia deixar de ser, também na nossa Campina. O crescimento do número de veículos, a expansão desordenada das cidades, a falta de um planejamento do trânsito que permita uma conseqüente fiscalização fora da área central da cidade, são problemas muito presentes em nosso cotidiano.

Na cidade que na visão fantasiosa da tv era a que mais crescia no interior do Nordeste, crescimento ainda é puro sinônimo de desenvolvimento, mesmo que um atrapalhe o outro, ou mesmo que o crescimento se dê de forma a concentrar riqueza e renda. Mesmo que as políticas públicas não sejam eficazes, ainda assim se crê numa lógica ufanista de crescimento. Ou mesmo, por fim, que crescer signifique mais subdesenvolvimento.

O saudosismo de No Tempo dos Quintais, pode parecer para alguns como algo inconveniente, deslocado no tempo, contrário ao progresso e ao dinamismo que muitos associam à capacidade do povo de Campina. Neste caso, prefiro o saudosismo, se é que seria a palavra certa. Fico meio que sonhando em um tempo em que o capital possa ser podado um pouco pelas prioridades estabelecidas pela população. Que, a exemplo do que fez a população de João Pessoa, em alguns momentos a avenida seja interditada, para que as pessoas possam caminhar. Ou, que possamos fechar avenidas, para criarmos eventos para olharmos o pôr-do-sol, ou mesmo deixarmos os pardais cantarem e voarem livremente. Se o tempo for o dos quintais ou dos pardais, a qualidade de vida e o desenvolvimento humano certamente existirão. Que tenhamos a coragem de exigir a volta dos pardais.

Para quem não conhece a composição, reproduzo abaixo sua letra.

No Tempo dos Quintais

Sivuca e Paulinho Tapajós

Era uma vez um tempo de pardais, de verde nos quintais

Faz muito tempo atrás, quando ainda havia fadas

No bonde havia um anjo pra guiar, outro pra dar lugar

Pra quem chegar sentar, de duvidar, de admirar.

Havia frutos num pomar qualquer, de se tirar do pé

No tempo em que os casais, podiam mais se namorar

Nos lampiões de gás, sem os ladrões atrás

Tempo em que o medo se chamou jamais.

Veio um marquês de uma terra já perdida

E era uma vez se fez dono da vida

Mandou buscar cem dúzias de avenidas

Pra expulsar de vez as margaridas

Por não ter filhos, talvez por nem gostar

Ou talvez por mania de mandar.

Só sei que enquanto houver os corações

Nem mesmo mil ladrões podem roubar canções

E deixa estar que há de voltar

O tempo dos pardais, do verde nos quintais

Tempo em que o medo se chamou jamais.